terça-feira, 15 de abril de 2008

Orgulhosamente pecadora, mas nem tanto assim!

“Innocent? Is that supposed to be funny? An obese man... a disgusting man who could barely stand up; a man who if you saw him on the street, you'd point him out to your friends so that they could join you in mocking him; a man, who if you saw him while you were eating, you wouldn't be able to finish your meal. After him, I picked the lawyer and I know you both must have been secretly thanking me for that one. This is a man who dedicated his life to making money by lying with every breath that he could muster to keeping murderers and rapists on the streets! A woman... so ugly on the inside she couldn't bear to go on living if she couldn't be beautiful on the outside. A drug dealer, a drug dealing pederast, actually! And let's not forget the disease-spreading whore! Only in a world this shitty could you even try to say these were innocent people and keep a straight face. But that's the point. We see a deadly sin on every street corner, in every home, and we tolerate it. We tolerate it because it's common, it's trivial. We tolerate it morning, noon, and night. Well, not anymore. I'm setting the example. What I've done is going to be puzzled over and studied and followed... forever.”
É bem verdade, agora foi a vez do Vaticano seguir o exemplo. Não foi tão radical quanto este John Doe, mas que lá lhe apanhou o jeito castrador apanhou. Ou então não.

Perguntar a Bento XVI qual o seu livro de mesa-de-cabeceira seria imbecil. Já perguntar-lhe qual o seu filme preferido e arrancar-lhe a verdade verdadinha seria obra, obra para Pulitzer. Ora senão vejamos.

Jornalista (com uma lata tremenda que o levará direitinho ao quentinho Inferno) – Santo Padre, agora que os nossos leitores ficaram a saber que uma das tarefas que mais lhe apraz é ditar os artigos do L’Osservatore Romano, enquanto saboreia um arrozinho de cabidela, pode partilhar connosco o que faz nos seus tempos-livres? Vê filmes?
Santo Padre (enquanto limpa a boca e faz sinal para que lhe tirem o prato e tragam a sobremesa) – Mio Figlio, essa é una pergunta molto difficile de respondere. (Os pastéis de Belém que acabam de chegar quentinhos à mesa fazem salivar o jornalista) La verità es que io non vedo molti film. Ma que bello orologio avete voi. È un Bulgari? Mi piace los Rolex. Mi scusi, parlavamo de film. Mi piace lo Diece Ordini, con il più grande Charlton Heston. Ché forte e bello uomo. E ché corpo muscoloso. (Santo Padre come um pastel de nata de uma só dentada e nota-se uma pequena baba a cair, enquanto o seu olhar fica preso no corpo musculoso de um Heston com uma tábua na mão)
Jornalista – Calculo que aprecie os filmes dedicados a Deus, principalmente os dos anos 50 e 60, mas gosta dos mais recentes, aqueles que fazem de Deus uma entidade castradora, como Advogado do Diabo ou Seven?
Santo Padre (engasgando-se com o terceiro pastel de nata) - Mai non veduto esso. (O jornalista tenta tirar um docinho do prato, mas o Santo Padre bate-lhe na mão e deita-lhe um olhar diabólico)
Jornalista – De certeza que não viu? Então o que é que é aquilo que está em cima do leitor de DVD? Parece-me a capa do filme protagonizado pelo Brad Pitt e pelo Morgan Freeman.
Santo Padre – Quello es… es…es…non conosco che cosa è quello. Ma io posso parlare de mio libro favorito. Mein Kampf. (Assustado com o que disse, tenta resolver imediatamente o seu erro). Mein Kampf??? No, no, mi scusi, volevo dire, Mein Kampfbahn. Esso, esso, Mein Kampfbahn, perché mi piace molto il gioco del cálcio. E ora vado a fare un pisolino. Ciao.
Jornalista – Pois, pois… Estou a ver, estou.

Sem quaisquer intenções de ganhar Pulitzers estiveram a maioria dos jornalistas mundiais quando decidiram noticiar os “novos pecados mortais”. Eu, por exemplo, tomei conhecimento do caso através de uma crónica (crucificadora) na TIME, a minha mãe pela tv, outros pelos jornais, pelas rádios, pelaa Internet, etc. A notícia estava por todo o lado e fosse qual fosse o meio, o que nos chegou foi uma notícia que ou nos dava para rir à gargalhada, ou para nos indignarmos.

Comecei por rir.
De repente, além de não podermos cobiçar a mulher do outro (confesso que sempre foi um pecado que me deu jeito, visto que nunca cobicei a mulher de ninguém), de não podermos ceder à luxúria (coitado do Canibal), de não podermos comer feitos glutões (este dava-me jeito levar a sério), de não podermos olhar para o próximo como se estivéssemos bem acima dele (Mourinho vai parar ao Inferno a 200km/h), de não podermos olhar, com o sangue a ferver, para a senhorita que leva um Elie Saab ao casamento da nossa melhor amiga, de não podermos simplesmente passar por um mendigo e não lhe dar uns cêntimos dos nossos milhares de euros que temos nos bolsos e de finalmente não podermos vegetar no sofá durante todo o domingo, a ver aqueles filmes que já passaram pelo menos 20 vezes naquele canal, ainda parecia que iríamos ser castrados de tantos outros bens. Bens esses que a saber seriam: as drogas, o nosso larguíssimo buraco do ozono, as desigualdades sociais, nomeadamente na forma de ostentação daqueles que são obscenamente ricos, aquele fígado novo que nos impediria de morrer de cirrose, etc, etc, etc. Obviamente que se instalou o pânico na sociedade.

Não chegava o Bispo Gianfranco Girotti vir com estes novos pecados, lá do pequeno estado, que ainda cá em Portugal tinha apoiantes. O Padre Vaz Pinto afirmou o seguinte, relativamente a outros novos pecados, como passar demasiado tempo a ver televisão, navegar na internet ou ler jornais "Não há dúvida de que hoje há um gasto imoderado de tempo que leva muitas vezes à grande passividade, à distracção do mais importante. Não há o melhor uso da nossa vida, tempo e amor. (...) Quem passa a vida na informação acaba por não poder intervir no resto da vida, deixando coisas mais importantes: a mulher, os filhos, o desporto, a cultura e por ai fora”. Naturalmente. Vejamos o seguinte exemplo. O português chega a casa e ouve o seguinte da sua querida esposa “ Olá querido! Sabes, hoje fui ao mercado e os preços estão pela hora da morte, preciso de mais dinheiro amanhã. Já para não falar que até terça tens de pagar a prestação do carro, da casa e o colégio dos miúdos”. “ Pai, pai quero a nova PSP para os meus anos e não queria ser eu a dizer-te isto, mas o Benfica perdeu hoje com a Académica por 3-0.” Desolado com a vida que tem pensa “ Vou ver um filme na TV para ver se me distraio. Ai, não posso que é pecado! Ai que se morro vou para o Inferno! O melhor é ir ler as escrituras.” Claro, as escrituras além de lhe darem o dinheiro para pagar a casa, o carro, a educação dos filhos ainda vão fazer com que o Benfica venha a ser campeão.

No entanto, parecia que ainda havia alguém são na Igreja. D. Januário apelidou de ridículas as novas “leis” do Vaticano. “Se assim é, então eu sou um grande pecador. Leio muitos jornais, navego na ‘net’ o tempo que for preciso e vejo televisão, como toda a gente. No limite, há ‘defeitos’ em tudo. O futebol, por exemplo. Também pode ser um pecado. O dinheiro que se gasta num bilhete podia ser dado aos pobres. Até em gestos simples encontramos, se quisermos, situações pecadoras. Um indivíduo que passeia à beira Tejo, se calhar, devia estar com a tia no hospital ou a fazer companhia aos netos”.

Entretanto (finalmente) comecei a pensar que existia algo de errado nesta história toda, que a comunicação tinha falhado certamente. E foi quando fui ler o L’osservatore Romano, isto para fazer jus ao meu novo apelido de pedante intelectual. E eis senão quando… passei rapidamente ao segundo sentimento: o da indignação. Indignação com a minha pessoa, por ter feito o juízo fácil.

O Bispo Gianfranco Girotti como qualquer agente comercial vende o seu produto. Numa entrevista em que foram focados vários pontos, nomeadamente o papel de alguns órgãos do Vaticano, da visão dos fiéis relativamente à Igreja actual, abordaram-se as novas formas de pecado. Girotti fala na globalização e no cariz social que o pecado ganha. O que ele faz é uma chamada de atenção ao mundo e é também a tentativa de recuperar terreno, agora que os católicos passaram a ser o segundo maior grupo religioso do mundo. Quem é que, no seu perfeito juízo, não acha que é uma irresponsabilidade incrível o fosso social que se está a criar nas sociedades? Quem é que quer continuar a alimentar os desastres ecológicos? Quem é que acha que o Homem está cada vez mais altruísta? A meu ver não me parece que venha mal ao mundo por falarmos na responsabilidade social que cada um de nós deve ter.

Seguidamente, voltei a rir, mas um riso triste.
Se até aqui não via nada de errado nas palavras do Bispo, obviamente que não defendo que esta chamada de atenção se registe em campos como o da bioética e da liberdade pessoal (pelo menos naquela que não esbarra na liberdade pessoal do Outro). Aqui denuncio o meu carácter ateu e afasto-me galacticamente das crenças católicas. A negligência que é apontada, pelo Bispo, relativamente à ecologia e à justiça social é exactamente a mesma que a Igreja comete em relação às questões da investigação de células estaminais, da procriação medicamente assistida, da clonagem terapêutica, do uso do preservativo, entre muitas outras. No meio disto tudo, nem sequer vou perder tempo a dissertar sobre a hipocrisia que ficou impregnada na expressão obscenamente rico.

Os espelhos por terras italianas partiram-se há já muitos séculos atrás e o mesmo aconteceu com os binóculos que avistavam África. Se a nova forma de pecado e a globalização fazem o Vaticano reflectir nas novas repercussões sociais, porque não o fará agir e dar uma oportunidade a si próprio? E consequentemente aos seus fiéis? O grande dogma da Igreja é pensar que é o mundo que tem que se adaptar a ela e não o contrário. Enquanto assim for não haverá chamadas de atenção suficientes que a possam chamar à razão, nem indulgências infinitas que a possam salvar, porque o risco maior é ela desaparecer e não os seus discípulos fugirem dela.

O Papa afirma que se está a perder a noção de pecado e eu não poderei concordar mais com ele. Esperemos é que Deus, um dia destes, não olhe para o Vaticano e o veja como uma Sodoma ou uma Gomorra. Se tal acontecer apenas tenho um pedido: por favor Salve a Capela Sistina.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Crónica de um voo anunciado (atrasado e avariado)

“21 de Março, 09:40h – Aeroporto Sá carneiro

Adoro aeroportos, simplesmente adoro! E mesmo que não viaje, como acontece hoje. “ Pede-se ao Senhor Albano… e à senhora Ana…o favor de se dirigirem com urgência à porta 33.”

Há precisamente 15 dias atrás vivia, uma excitação diferente, a excitação de quem ia andar com a cabeça no ar, literalmente. Quer dizer, devo confessar que não foi com a excitação que tanto me caracteriza quando faço alguma viagem, mas isso explicarei numa próxima vez. Há 12 dias atrás, a excitação de quem estava a pousar os pés no solo que mais conheço e que é responsável por grande parte da minha personalidade. O regresso é, umas vezes, uma aterragem de entusiasmo com um pensamento que fica a quilómetros de distância, outras, um sorriso que pousa coberto por um nevoeiro melancólico. “Pede-se ao Senhor Albano o favor de se dirigir com a máxima urgência à porta 33.” (o Senhor Albano ou morreu ou então é melhor arranjar uma muito boa explicação.)

Nos aeroportos a volta ou a chegada, parece-me que são vividas de forma mais intensa que numa estação ferroviária ou numa gare de camionagem. Naturalmente, porque a este lugar estão associadas viagens de longo percurso. O coração ficar mais apertadinho se estivermos a dois mil quilómetros de distância do que a trezentos. No recinto das partidas, isso nota-se nos olhos que se distanciam daqueles que vão partir, nos narizes marcados no vidro que transparece a pista, no beijo último que anseia que o próximo seja bem mais longo, no abraço e lágrimas que não querem ser repetidos.

No local das chegadas, lembro-me sempre do início do Love Actually. Sempre.

Os olhares que pousam incessantemente na porta de saída dos passageiros, os braços abertos ansiando por fechar, as palavras que saem muitas vezes mais facilmente em gestos e em salgadas emoções. Aqui também se espera e espera. Hoje pela Paula, a minha tia preferida, (faço esta piada há anos e para quem não vê piada nenhuma na frase devo explicar que a Paula é a minha única tia). Voo atrasado 45 minutos.

Enquanto esperamos que apareça uma pessoa a empurrar uma mala vermelha maior do que ela, eu e o pai olhamos, observamos e “piadamos”. Os pinguins cor-de-rosa da Mateus Rosé parecem acreditar que “Taste Matters”, a Super Bock sempre muito hospitaleira com o seu “Welcome Bock”, o cãozinho a uns 3 metros de nós que a mim me faz despertar um sorriso – “oh, olha, só neste aeroporto é que deixavam entrar um cão para vir receber a possível dona” – e ao meu pai faz despertar indignação – “é mesmo a vaidade do Homem… trazer para aqui o animal. Até está assustado”, as duas árvores humanas a saudar quem chega (hoje é dia da árvore).
O patriarca – Próxima “rodada” é de Colónia.
…Esperamos mais uns segundos e lá começaram a sair algumas pessoas.
Pinheirinha – Têm cara de alemães, não têm? E têm um traje típico, não têm?
O patriarca – Então não se vê logo que são dos arredores de Colónia?
Somos uns cromitos, ih ih. E aqui está a Paula.”

Partida ou chegada? Não interessa. É nestes locais que se vê a vida, aquela que fervilha, aquela que nos tira do SNOOZE da maioria dos dias. TRIIIIIMMMMMM!!! Toca a despertar e acordar, literal e metaforicamente, para a vida. Perder o avião hoje pode não ser problemático, mas perdê-lo constantemente faz-nos desperdiçar milhas no cartão da felicidade.


P.S – Pois, estava atrasado, porque tinha estado avariado. E a cara da Paula era assim como que” Ufa, consegui chegar.” Quando o avião estava em Colónia , alguns segundos depois de ter começado a acelerar pela pista fora, teve de travar a fundo e voltar ao local onde tinha estado estacionado. O Comandante resolveu explicar que tinham identificado uma avaria no computador e que iam tentar arranjá-la através de instruções por telefone, visto que não tinham técnicos da companhia presentes no aeroporto de Colónia. Asseguraram aos passageiros que não tinham motivos para se preocuparem, porque basicamente o que iam fazer era um reboot do computador. Tranquilizador, não acham? O certo é que passados uns 20 minutos o problema estava resolvido e o avião pronto a arrancar.
E eu a pensar que as aventuras só aconteciam à little pinetree. Afinal, a família foi toda abençoada. :)